terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Hoje foi menos ontem que amanhã

Fui buscar uma escada no porão pra trocar uma lâmpada queimada na varanda. Tive que descer até lá, pois não tem mais cadeiras, os cupins roeram toda a madeira nestes pouco mais de quinze anos que eu não voltava à casa de campo do meu avô celeste. Desci o último degrau e tropecei em uma lata de tinta, pintei o chão de azul metálico. Fiquei me perguntando como a tinta estava fresca se eu era o único que sabia existência da casa e a abandonei anos. Quando estava quase chegando a uma resposta mais ou menos possível fui acordado a tapas e gritos pela minha mulher. Perguntou por que eu insistia em trazer garrafas cheias para a cama e, coberta de cerveja, começou a me mandar para fora de casa e aí eu matei a charada da tinta fresca derrubada, levantei satisfeito.

Não sei quantas vezes ela vai aguentar, nem sei mais quantas vezes fui chutado de casa. Sempre finjo não me importar, fico dando umas voltas pela cidade de manhã cedo e ela sempre me encontra no mesmo lugar, sobre a ponte observando os barcos atracados, e pede para eu voltar, eu volto. Abro a porta e não falta nada em casa, abro a geladeira e sinto falta das garrafas que ela confisca. Talvez seja esse o motivo de eu não dar presentes a ela, sempre preciso repor o meu estoque de cerveja que ela joga fora. Ainda desconfio que ela usa para subornar o fiscal alcoólatra da empresa de TV a cabo por causa de nosso gato persa.

Isso já passa das nove horas da noite, o noticiário já acabou e ela está assistindo aquela novela chata que sempre acaba com o ferramento do vilão. Eu penso “eu amo essa mulher”. Depois eu penso “eu amo esse som do Neil, ela que me desculpa, mas vou cavalgar”. E passo mais uma noite fora, observando a lua.