quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A Queda em 3 Atos

Primeiro: O futebol estava sendo o principal responsável por machucar suas veias enquanto chovia numa noite de quarta-feira de um infeliz dia de um ano chinelo. Ao mesmo tempo, um sorriso à la Steven Tyler brotava no rosto de um garoto que recém tinha ganhado uma moto nova e sabia dirigir tão bem quanto um pedreiro declamando poesias. Desceu até a garagem, viu que chovia, mas precisava urgentemente ir até o banco buscar dinheiro para pagar alguns agiotas caridosos que recém tinha lhe dado uma cicatriz bucal de presente. A chuva apertava, o time amarelão ganhava e o All Star azul já encharcava mesmo antes de sair de casa, mas ele colocou uma estúpida idéia dramatúrgica na cabeça de que a chuva lavaria seus problemas e foi, feito uma criança perante um videogame. Abriu o portão elétrico da garagem, subiu a rampa e acelerou, talvez um pouco demais para o estado do asfalto, não sei, mas acelerou valendo e parou em seguida, no chão.

Pode ter sido ruim, mas se não fosse o tombo, ele não teria escapado de um assalto que estava ocorrendo aos caixas eletrônicos naquele exato momento. Entretanto, levando em conta que um dos assaltantes era seu irmão, outro seu primo e outro seu melhor amigo, que hoje moram juntos na Costa Rica e tomam chamapgne no café da manhã na beira da psicina, e que, provavelmente o levariam junto na fuga, ou no mínimo o presenteariam com dinheiro para pagar os agiotas, não valeu tanto a pena.


Segundo: O prezado moço sai, com muita relutância e obrigação, para a universidade de manhã, às 8 horas e 15 minutos como de costume, após comer um sanduíche de mortadela e queijo no café da manhã. Tendo assistido alguns dias antes na televisão que os franceses degustavam queijo mofado, resolveu deixar o queijo minas fora da geladeira por algumas semanas, só para experimentar, mas o resultado foi tão além das expectativas que de experimento passou a ser saciedade. Olhou para o céu ao norte e viu um sol forte que quase cegou seus olhos, tornando-os mais inchados do que o natural. Ao leste havia uma Cúmulos Nimbus violenta se procriando, mas isto só foi notado na hora do acidente. A moto já havia sido batizada e, devido ao atraso, saiu em disparada para a universidade. Passando por uma ladeira íngreme em uma ruela estreita, muito estreita e quase deserta, se não fosse uma caminhonete larga, muito larga à sua frente, viu a chuva iminente se aproximar. Calculou em média uns 10 minutos até os baldes d’água caírem violentamente sobre a cidade, mas sempre foi péssimo em matemática. No exato momento, gotas do tamanho de pingos d’ouro começaram a lavar o asfalto. Normalmente, apenas uma gripe seria contraída, mas “no meio do caminho tinha uma lombada, tinha uma lombada no meio do caminho” e, junto dela, uma caminhonete freando bruscamente assim, de sopetão, e no meio do caminho ficou um corpo mais envergonhado pelo tombo infantil do que dolorido pela queda.

Pode ter sido ruim, mas se não fosse o tombo, ele não teria ido à farmácia comprar merthiolate para curar as feridas, se tornado amigo da farmacêutica e vendido para ela um CD de sua banda por 5 reais. Entretanto, levando em conta que o merthiolate custou 7 e que a farmacêutica foi demitida um dia após e sumiu feito Wally na multidão, não valeu tanto a pena.


Terceiro: Ele recém tinha comprado uma moto nova, 8 vezes mais potente que sua não ex, porém antiga vespa. Depois de acordar ao meio-dia de um finíssimo sábado de primavera, almoçou fragmentos de comidas congeladas, tudo resultado de sua ínfima capacidade culinária. Como dizem lá de onde eu venho, era um sábado “daqueles”, em que a pior coisa que acontecesse seria explosivamente maravilhosa, então nem vou citar a melhor. A lua tinha mudado, e o camaleão do humor não se empolgava de tal jeito desde uma corrida ocorrida em 2002 quando ganhou 720 reais no turfe. A nova moto, ainda nem fora nomeada, muito menos batizada, mas isso só até aquele sábado. Da mesma forma que era 8 vezes mais potente, era também 8 vezes mais pesada, fazendo seus músculos labutarem intrepidamente. Girou a chave e a moto roncou maliciosamente como tinha que ser. Roncou o motor incontáveis minutos apenas para acostumar seus ouvidos do mais feroz e atroz barulho descoberto até o momento que o acompanharia durante a tarde inteira, se não a noite também. Aprumou o corpo, balanceou o peso e acelerou rumo à saída da garagem, calmamente, sentindo com intensidade a sensação de alívio promovida até mais ou menos uns 20 metros à frente, quando foi traído pelo seu mais custoso negócio. Foi outro tombo, o menor e o menos dolorido, mas isso fisicamente. Quando o motor da motocicleta apagou no começo da descida, levando-a para o chão instantaneamente, o camaleão do humor só teve tempo de sair de cima para não esmagar suas pernas e ao invés de se aliviar, se desesperou. O que aconteceu com a motocicleta foi tão cruel e mórbido que não vou entrar em detalhes, o preço da peça quebrada mais barata após o tombo era absurdamente salgada, então nem vou citar a mais cara.

Pode ter sido ruim. E foi. Realmente foi muito ruim.