terça-feira, 20 de maio de 2008

Pelé

Desde sempre criei a mania de trocar a noite pelo dia, e junto a isso, também criei o hábito de comer muito de madruga, de secar a geladeira por que os armários já estavam vazios. Tudo isso por causa do meu abençoado metabolismo, que faz parecer com que um frango inteiro ingerido se torne um reles sanduíche de presunto e queijo, magreza mil. E é normal, mesmo fazendo silêncio, se faz barulho na calada madrugada, algo inevitável, você escuta até o piscar dos olhos. São esses ruídos que me incomodam, por incomodar quem está dormindo, que acabam me incomodando no outro dia, como um ciclo (o A incomoda o B, que espera, quieto, na sua, até o amanhecer, para se vingar do A, que espera, quieto, na sua, até o anoitecer, para se vingar do B).


O barulho mais irritante, mais inesgotável e mais incessante, pelo fato de eu limpar a despensa é o do microondas. Aquela caixa grita quando liga, grita quando programa, grita quando cancela, grita quando desliga, grita até quando não grita, uma verdadeira sinfonia de bips (uma sequência, o botão A grita para o botão B ligar, o botão B grita para o botão C programar, o botão C grita para o botão D esquentar, e o botão D grita para o botão E desligar).


Conheço várias pessoas que também se irritam com esses monótonos apitos xaropes. Eu tinha um amigo uma vez, o Jagunço. Jagunço por que ele nunca era capaz de pensar em nada sozinho, era um infame, mas sempre protegia a galera com unhas e dentes, ou soqueiras e pedaços de pau. Acontece que o pai do Jagunço era americano, ex-membro do esquadrão anti-bombas e ex-militar, tendo inclusive uma participação vital na Guerra do Golfo (paralisou o avanço de um exército inimigo ao ter um ataque epilético em frente a um tanque de guerra). Além do pitoresco episódio da epilepsia, o pai de Jagunço herdou, devido seu trama com bombas, um choque de guerra, e passou a ouvir tilintares à distâncias absurdas, que o deixavam paranóico. Mas até aí tudo bem, medicações controlavam sua condição, até que um dia o coitado tomou o comprimido errado e foi dormir. Até hoje sinto pena do Jagunço, que se culpa todos os dias por acionar o microondas e fazer seu pai sofrer um ataque de histeria e pular da janela do 8º andar pensando que havia terroristas em seu prédio.


De fato esses barulhos são fatais. Um outro amigo meu, o Cerveja, grande figura diga-se de passagem, insiste até hoje que quando era menor ficou 3 meses sem receber mesada só por que quando chegou em casa, bêbado diga-se de passagem mais uma vez, esquentou um cachorro-quente e acordou sua família com o barulho do microondas, o que não é verdade. Cerveja não lembra de muita coisa e jura que foi o microondas que acordou seus pais. O que prova que se pode culpar o microondas até quando ele não é o culpado.


Não quero dizer que o microondas seja um péssimo eletrodoméstico, muito pelo contrário, é a salvação dos solteiros que não sabem cozinhar. O microondas é como certos seres, que mesmo gênios naquilo que fazem, são, quando calados, poetas. Entende?