terça-feira, 27 de abril de 2010

boa noite

não tem como tu esquecer do vazio, do que não aconteceu, da indiferença de acordar, tomar café, colocar uma roupa adequada segundo o caderno de moda do jornal dominical, ir trabalhar feito uma máquina, sair par ao almoço, voltar para a máquina e finalmente chegar em casa para assistir o que acontece no mundo direto da tela da televisão com um Bombril na antena, antes de jantar qualquer coisa, tomar um banho e se preparar para a roda girar novamente quando o sol nascer, ou quando o despertador tocar, antes do astro rei, enquanto os mendigos ainda achacam para beber, para fumar, em uma aventura sem fim que pode ter começado há menos de cinco minutos mas que parece eterna, muito mais romântica do que a de quem está acordando, muito mais Kerouac do que Manual da chaleira elétrica Arno, muito mais David Lynch do que Mesa redonda de futebol e tu sabe disso, mas usa o artifício dos bens materiais e do dinheiro no banco, aquele que tu vai deixar pros filhos que não vai ter, pros pais que já partirão ou pra mulher que dividirá a herança com um go-go-boy da edição de setembro da G-magazine, mas que tu nem desconfia, pois passa tempo demais no trabalho, tempo de menos em casa, ou kitinete, que por sinal é menor que o escritório que tu divide com mais quatro workaholics mecânicos que mal lembra seus nomes, mas lembra se um deles derramou café no teu espaço ou se ele fede ou se ele é mudo ou se ele se faz de mudo ou se ele fala tanto que não se entende nada do que sai de dentro ou se ele tá (na tua cabeça paranóica e desgastada) tentando te passar para trás ou se ele come a mulher do chefe, sem imaginar que ele pode estar comendo a tua, pois tu desdenha tanto daquele patife só por pensar que todos são piores do que você quando você é pior do que todos, a escória da inglória que ri freneticamente dos doentes e dos desabrigados mas que de segunda a sexta dá boa noite ao William e à Fátima e pensa que teu filho tá no quarto estudando com o laptop novo que ganhou de aniversário quando na verdade ele está assistindo a Rita Cadillac de quatro e só abrindo a porta do quarto sem bater que talvez mude seus conceitos e perceba que o controle remoto não faz tudo aquilo que tu pensa.

Um comentário:

Ramon disse...

Eu tava feliz, agora não tô feliz haha, sacanagem esses mendigos, nós aí acordando todos os dias super cedo pra tentar ganhar uns pilas (com plural) a mais, que nunca virão e eles metendo uma gelis na frente do potatoes hauhauha... o que importa na real é o controle remoto ;/