segunda-feira, 16 de junho de 2008

Pane Seca e Olho de Vidro

Em alguma madrugada, entre maio e junho, ou julho (abril?) de 2007.


O ônibus atrasara 15 minutos, o que poderia ser considerado uma vitória, geralmente os atrasos eram de meia hora. Eu viajava lendo Que Loucura! de Woody Allen, grande figura, quando o motorista resolve parar e encostar o ônibus na beira da estrada, e desligando as luzes, o que me enraiveceu até eu descobrir que as luzes apagadas eram o de menos.


Vinha concentrado no livro e ao mesmo tempo concentrado em pensamentos negativos. Andei imaginando que mais dia menos dia eu iria presenciar um episódio de ônibus quebrado ou assalto ou seqüestro ou o diabo a quatro, viajo tanto de ônibus que isso me parecia inevitável acontecer, afinal ocorre tanto dessas coisas hoje em dia. Só não imaginei que esse capítulo estaria tão próximo, o ônibus parou e eu me direcionei até a cabine do motorista para me inteirar do que estava havendo.


Pane seca! Como assim pane seca em um ônibus? Como que as pessoas podem ser tão incompetentes a ponto de deixarem o ônibus sem diesel? Fiquei me perguntando isso, parado, no escuro, enquanto um cara ao meu lado tragava seu cigarro e ria de tudo. Não que não fosse engraçado, mas não é algo que você anseia, algo do tipo “oba! vou viajar hoje, tomara que o ônibus quebre!”, e era assim que aquele cara se comportava, desfrutando ao máximo de todos os momentos como se fosse tão ou mais prazeroso que um churrasco de domingo.


Por sorte do acaso, um outro ônibus da mesma empresa estava atrasado e acabou passando por nós aproximadamente 5 minutos após o ocorrido. Pensei: Beleza! Vamos de carona! Entrei correndo no ônibus, joguei minha mochila nas costas e desci correndo feito uma criança da 3ª série que acaba de ouvir o sinal do término da aula, mas acabei me frustrando ao saber que o rumo era totalmente ao contrário. Resolvi voltar ao ônibus e esperar, afinal como mecânico sou um ótimo agricultor.


Logo que me sentei o motorista entrou novamente, tranqüilo demais para o meu gosto, e avisou que estava indo ao posto com o outro ônibus e que não demorava. Explicou o funcionamento do painel, aonde ligava e desligava as luzes, abria e fechava a porta e etc. Então saiu, olhei para a janela, tudo escuro, estava dentro de um trambolho com uma luz intermitente no meio da estrada, no meio do nada com apenas mais duas pessoas.


Senti-me indefeso e divaguei sobre minha potencial capacidade de prever ou de fazer meus pensamento tornarem-se reais, mas resolvi me agrupar com as outras duas pessoas e fazer um social. Havia um rapaz, um pouco mais velho que eu, e uma mulher, mais velha que eu, mas nem tanto, devia estar ali na casa dos trinta anos. Belos trinta anos, por sinal, mas isso não vem ao caso, seria perfeita se tivesse os olhos menos atraentes um ao outro e se o olho esquerdo não fosse de vidro.


O cara que estava junto falava pouco, e eu também falava pouco, apenas a mulher falava e ambos nós dois concordávamos com tudo que ela dizia. Uma hora ela começou a se queixar de que pior de tudo que estava acontecendo é que ela estava de ressaca. Contou detalhes da noite anterior, que bebeu três litros de conhaque com suas amigas e que tinha um amigo viciado em maconha. Relatou ela, que o amigo fumou cinco baseados do seu lado e, por isso, ela passou mal, como se os três litros de conhaque fossem coca-cola. E então começou a falar que nunca tinha usado drogas, que bebia pra caralho, mas jamais sentiu vontade de experimentar aquilo que o diabo e os artistas gostam.


Já não agüentava mais permanecer confinado naquela joça, sentei no degrau da escada próximo a porta e fiquei olhando para a porcaria dos detalhes do ônibus. Notei a presença de alguns filhotes de baratas entrando e saindo pelo câmbio furado. Quando levantei tive que me sacudir aos montes para tirar toda a poeira que se acumulou enquanto estive sentado.


Passados uns trinta minutos, o motorista voltou com o diesel. Abasteceu o tanque e resolveu o problema, com alguma relutância do ônibus em voltar a se mover, mas com insistência e sangramento a carroça acordou.


Chegamos em Carazinho e outra demora. Dessa vez o motorista precisava descarregar umas encomendas e uns pneus alojados no bagageiro. Não entendi como que pode demorar tanto para tirar algumas coisinhas de dentro, mas tudo bem, nesse meio tempo passeei pela rodoviária, observando pessoas estranhas. Tinha um cara do Correio do Povo ali – desses que levam os jornais para outras cidades – que não havia apelido mais propício senão Mr. Bean, nunca tinha visto ninguém mais parecido com o personagem idiota desde um filho de um ex-professor meu.


Passaram-se uns vinte minutos e seguimos viagem, finalmente estaria chegando em Passo Fundo com duas horas de atraso, voltei a atenção ao Que Loucura! e quando menos percebi tinha chegado. Ao descer na rodoviária, o cara rumou para o lado oposto de onde eu estava indo e a mulher se deliciava aos beijos do namorado. E eu, fui logo pra casa, tinha lasanha para a janta.

Um comentário:

Ana Ferraz disse...

Hahahaha
muito bom o texto.
Fico imaginando essa situação, tu todo irritado ushauashuiahsuias